quarta-feira, abril 25, 2007

ALVORADA EM ABRIL




Lembro-me bem da comoção que tomou conta de mim e do estado de embriaguez utópica que se apoderou da generalidade das pessoas. Recordo a euforia e a fé inabalável num futuro que somente podia ser de cravos e rosas para todos. Nos meus ouvidos ecoam ainda os cantos e os pregões que inundaram as praças e as ruas, fazendo da cidadania uma festa e do anúncio da democracia um arco-íris pintado de todas as cores e matizes da esperança. Éramos felizes; transbordávamos de felicidade e sabíamos a razão desse estado de alma.
Mas… será que o 25 de Abril de 1974 aconteceu mesmo? A memória não me atraiçoa. Sim, aconteceu e ficou para sempre gravado na história do País e na carne dos nossos mais inflamados ideais. Ou será que foi somente um sonho que eu tive? Não terá sido apenas uma nuvem passageira, uma quimera ou uma ilusão que se esfumou perante o impacto com o primeiro vento de sinal contrário?
Afinal já não sei bem o que hei-de tomar por certo, se a doçura ténue e nostálgica das lembranças, se a amargura ácida e crua das dúvidas que a conjuntura impõe e adensa de modo agreste e inclemente.
Recordo a policromia das bandeiras e os inúmeros partidos que se formaram, como se fossem cogumelos a brotar da terra logo que caem as primeiras e férteis chuvas do Outono. Tenho presentes as palavras de ordem e as canções, as exigências e reivindicações, os juramentos e as promessas de que não haveria mais exploradores e explorados, de que a abundância seria partilhada por todos. Entretanto o Zeca Afonso faleceu e, pouco a pouco, tudo se gastou e foi ficando pelo caminho, num silêncio dorido e cansado. O Muro de Berlim caiu e nem esse acto de libertação resistiu à sua desvirtuação: ficámos sós, inteiramente à mercê da gula insaciável do neo-liberalismo que, uma a uma, nos rouba as afirmações do direito ao respeito para nos condenar à tirania da caridade. Assim desrespeitados passamos a ser tratados como números e bens danificados. A literatura, a arte, a música deviam ter, nos jornais, nas televisões, espaços significativos, espaços educativos porque um povo ao qual é sonegada a cultura será sempre um povo inferior. Somos do tempo do analfabetismo espalhado por largas manchas da população, do obscurantismo que ainda hoje deve ter indefectíveis adeptos, sabemos que o 25 de Abril foi, afinal, uma porta por onde se escoou a esperança de um país novo, suspeitamos de que muitos fulanos instalados no empíreo da política tratam de si e não sei se do povo que os elegeu, sentimos uma grande frustração, quase nos desprezamos por sermos portugueses e, no entanto, qualquer coisinha que faça sobressair o nome de Portugal empolga-nos até às lágrimas exactamente porque saímos da vil tristeza de um povo martirizado mas que, nos tempos que correm, anseia por tudo quanto ainda não está feito, desde a educação à saúde, do desemprego à dramática distribuição da riqueza e da indiferença pelos direitos dos cidadãos.
Hoje está seriamente abalada a convicção de que os partidos servem o país e a democracia; de que existem para criar e renovar, desenvolver e aplicar diferentes ideais, opções e programas políticos, visando a melhoria da sociedade e da sua governação. Pelo contrário, ganha cada dia mais legitimidade a suspeita de que estão maioritariamente ao serviço dos barões e figurões que neles imperam, para lhes garantir poleiro e tachos, mediatismo e vida fácil e faustosa. Enquanto os militantes e eleitores são utilizados e manipulados na sua boa-fé e na sua generosidade humana e ideológica. E para isso a verdade foi a enterrar; ao som da música dominante no aberrante contexto da farsa, da mentira e falsidade. Ainda se chama a isto democracia!
Felizmente e para gáudio do meu povo, das gentes do meu concelho isto aqui não se passa assim. Temos à frente dos destinos da nossa terra gente de paz, gente de bem, gente que soube acordar do marasmo e letargia em que vivíamos plasmando a nova cultura e consciência de ambições, de exigências e reivindicações, de direitos, desafios, objectivos e metas.
Quero neste dia celebrar, festejar e homenagear, com todos vós, o espírito do 25 de Abril, acordar e reavivar o seu sentido e mensagem. Para tanto quero ganhar a coragem de ser livre, de me libertar de um pensamento e de um modo de actuação tribais. Quero para mim filiações e adesões distintas das tradicionais. Doravante hei-de levantar outra bandeira e gritar outra proclamação; é a nova fronteira que orienta os meus princípios e convicções e baliza os meus passos e acções. Revejo-me nas causas da Humanidade e rejeito liminarmente os interesses perversos do mercado neo-liberal.
A minha esperança é imortal. Repito, IMORTAL! Sei que não dá para mudar o começo, mas, se quisermos, vai dar para mudar o final. Não arrepiarei caminho; prosseguirei firme e porfiadamente, amparado no encorajamento de José Régio:
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam os meus próprios passos…
Como Fernando Pessoa, eu tenho o dever de sonhar sempre, de sonhar em grande, de ser mais do que um espectador de mim mesmo e de conceber o melhor espectáculo que posso ter. Por isso imagino e construo, com ouro e sedas, um palco e cenário para viver o meu sonho entre músicas brandas e luzes invisíveis. É assim que eu me ergo e sinto, combatendo a decepção e desilusão com voz pequena e pouca, mas bastante para cantar e lançar um raio de luz e confiança: 25 de Abril SEMPRE!

13 comentários:

Zeca Paleca disse...

CAPITÃO DE ABRIL SALGUEIRO MAIA: Onde tu estiveres, jamais te esquecerei.
INOLVIDÁVEL.
Obrigado Capitão!

Axiológico disse...

eu nunca esquecerei do dia 25 de abril.....

mesmo sendo um brasileiro....

...
..
..
...

pois é meu aniversário ahahhahha

Sandokan disse...

Mas você também faz hoje 33 anos?
Receba um cravo vermelho e os parabéns deste seu grande amigo.

Op.Louca disse...

Este blog, parece um T.G.V..... anda com muita velocidade!!!!
Tenho passado por cá,pois gosto de vos ler! Venho deixar-vos uma musica.....relacionada com o tema do Post!

Canto jovem

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos.
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegámos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias da mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira e proa da minha barca

Zeca Afonso

Ahlka disse...

Um texto tão inflamado só pode ser escrito por alguém que VIVEU esse dia e muitos outros à sua espera.
São os testemunhos de quem o viveu que o vão perpetuar o seu espírito.

PS. Apesar de tudo, mantenho a minha opinião quanto à criança :)

Menina do Rio disse...

Sandokan,
Agradeço o teu carinho e as palavras deixadas no meu blog. Seria muita pretensão de minha parte admitir que escrevo, pois apenas rabisco ora os pensamentos, ora as emoções; essas coisas que antes da internet a gente só confessava às paredes, rs...

33anos dizem era a idade de Cristo quando foi crucificado. Não conheço a história de vosso país, pois até o que aprendi na escola sobre o meu hoje me parece uma grande mentira, mas ainda acredito no ser humano..
bom feriado aí!

beijinhos

Viole†† disse...

vim deixar minha sapatada aqui

ahahahaha

beijos!

Pascoalita disse...

Vivi esse dia e os que se seguiram e confesso que senti essa comoção de que se fala. Depressa no entanto me senti enganada e cada vez mais estou convencida de que há mta coisa sobre Abril que nunca foi dita nem tornar pública.
Celebrar, festejar e cantar o espírito do 25 de Abril sim, mas na convição de que o "sonho de Abril de 1974" se torno realidade ... algo que ainda não aconteceu! Eu continuo a aguardar ABRIL !!!

Laura disse...

Apesar de tudo, de não estar de acordo com muitas coisas, eu quero o melhor para todos, trabalho que lhes traga o pão de cada dia, a felicidade de saber que se tem um lar para onde voltar depois do trabalho, e muitos vivem na miséria,sem tecto sequer..(agora a maioria não consegue pagar as casitas que compraram, já não chega para a prestação e os queridos dos Bancos ajudam tanto que ficam logo com as casinhas..)Pois mas nem vale a pena estar aqui a falar..Se não consigo nada com isso. Mas desejo sim, o melhor para os que estão pior, que os que estão bem, que se deixem estar...Beijinhos ó Sandokan..
E como estamos tão longe ó Jorge..de ter trabalho e o pão de cada dia para todos...Só se deve comemorar o que se chame de uma vitória ganha...omos perdedores e cada vez mais..

Adrianna disse...

Abril é cada vez mais um utopia. Como é possível que 33 anos depois estejamos nom estado em que estamos? Evoluímos como país? Estávamos isolados? somos agora mais livres? Continuamos a ser uma província, agora ainda mais dependente do estrangeiro.

Verena Sánchez Doering disse...

Un abrazo muy grande a Portugal en este 25 de abril
besitos

Peste disse...

deveriam haver mais revoluções... há por aí muita coisa que ainda precisava ser alterda.

beijoquitas meu querido.

Laura disse...

Então sandokan? estamos em guerra? preparo a minha armadura e sento-me no monte à tua espera. Pareces cansado de ser andarilho lá prós meus lados. Podes descansar. Aparece apenas se te apetecer. beijinhos para ti e força homem nessa couraça e no coração. Um beijinho doce para ti, na testa, e uma boa noite também..