terça-feira, maio 22, 2007

A e a morte do galo Chico Mendes
Reza lenda, se é que lendas rezam, que havia uma disputa entre as cidades-estado de Siena e Florença por limites territoriais. Elas combinaram que ao amanhecer, assim que o galo cantasse, um cavaleiro de cada cidade cavalgaria em direção ao outro e aonde se encontrassem seria a fronteira. Siena escolheu um galo branco, bem nutrido e Florença, um preto e mal alimentado. O de Firenze, esfomeado, acordou mais cedo, e seu cavaleiro conseguiu chegar até a vila do Castelo de Fonterutoli. Por isso a região passou a chamar-se de Gallo Nero e um galo preto ocupa até hoje os rótulos dos Chiantis, o mais celebre vinho da Itália. Em tradições religiosas de vários países, o galo é uma criatura celestial e votiva. Simboliza a ressurreição solar e espiritual e seu canto anuncia o novo dia após um período de trevas. Nos países latinos é tradição popular a "Missa do Galo", numa alusão a lenda que conta que a única vez que um galo cantou à meia-noite foi na noite do nascimento de Jesus। Mas, sincrético, na África, ele é o animal preferido de dois dos sete orixás do Vudu: Papa Legba e Ogun. Papa Legba, ligado a São Miguel e São Pedro, é o guardião, o desenvencilhador das encruzilhadas do mundo. No Brasil, o galo é o omalá (conjunto de alimentos destinados ao Orixá ou divindade da Umbanda) de Oxun. Reproduzido na arte cerâmica de Portugal e Itália o galo está ligado a lendas populares e na França ele é o símbolo nacional por excelência. Na poesia é o astro do mais famoso poema de João Cabral de Melo Neto, no qual um galo sozinho não tece a manhã. Certo que os galos devem ser perdoados por acordarem mais tarde, até porque passam o dia em exaustiva maratona sexual, que exercem sem pudor, satisfazendo de forma hedonista seus desejos mais carnais, com uma e com outra, quando não com alguma violência e ruidoso ritual, sem preliminares e conversa fiada. Verdade que apesar de repetitivo o ato tem a rapidez só um galo tem, embora alguma mulheres reclamem em seus parceiros da fugacidade do evento. Apesar disto não é fácil a vida de galo, com seu harém sempre ameaçado, sujeito a traição à menor desatenção ou falha no serviço doméstico, pois sabemos que as fêmeas não costumam perdoar se o carnê não está em dia. Nem todos os galos, entretanto, têm final feliz. Morei em um condomínio, com muitas casas, todas próximas. Ganhei um galo de um paciente e o levei para casa, dando-lhe o nome de Chico Mendes, que havia sido morto. Chico tinha um relógio biológico próprio, cantando feito um desesperado durante a tarde e a noite e silenciando ao amanhecer. O que começou como insatisfação entre os vizinhos evoluiu para reunião extra de protesto contra meu galo. Compreendendo que a sociedade não estava preparada para um despertar ecológico decidi levá-lo para a roça. Chico passou a reinar soberano, verdadeira estrela, no quintal lá de casa. Fim de semana fui almoçar com minha mãe e ela serviu um prato delicioso. Quando perguntei se era de sua criação, ela respondeu que era o Chico Mendes, que andava muito abusado. A história novamente se repetiu, para minha consternação, mas ficou a lição: toda vez que você tiver por aí cantando de galo, seja você presidente, ou o que for, é sempre bom lembrar que tem alguém amolando a faca para preparar o almoço de domingo.
texto de Cézar do Blog Avesso do Avesso

1 comentário:

Anónimo disse...

Interessante post!
Um abraço