sábado, janeiro 31, 2009

Diário da minha desilusão


Quantas vezes, amor, não pensei que me fosses abraçar? Mas, não! Ignoraste-me como se eu fosse um insecto que se esconde nas fendas húmidas da terra. Nem com este vento cortante e gélido te lembraste do quanto sofro pela tua ignominiosa indiferença. Tu sabes quanto o frio me retalha as carnes e me faz adormecer os sentidos. Mas, não! Onde é que já se viu alguém que muito amamos e que nos fez mil promessas de amor, diante das mais puras flores, não abrir a porta quando transidos o corpo e a alma de frio, lhe tocamos nervosamente à campainha da porta? Não! Tu não és gente! Esqueces-te que o amor é como os cavalos. Quer-se de puro-sangue! Mas, não! Não só não me abres a porta, como te contentas em oferecer-me um coraçãozinho de lata, embrulhado em papel de alumínio, quando fiz anos. Lembras-te desse malfadado dia, meu querido? Estava eu a preparar-te um banho de essências, quando o meu corpo almiscarado e bravio, apenas recebeu como boas vindas o toque apaneleirado da tua mão. Nem o José Castelo Branco tem destas saídas! Onde foste tu aprofundar tamanho aviltamento das tuas emoções? Balanceando o meu corpo num derradeiro estertor de sedução e promessa de uma noite de amor nunca por ti sonhada, fui banida e profanada no mais profundo da minha sensibilidade de mulher e de ser humano. Encolheste os ombros, sacudiste as mãos e foste passear o cão. Quando regressaste, estava eu lavada em lágrimas, dobrada sobre os joelhos, ao fundo da cama. Deve ter-te custado este meu estado porque, no fim de teres tirado a trela ao cão, puxaste do tal embrulho em papel de alumínio e disseste-me com aquele teu ar ridículo de quem condescende e nos faz um grande favor.
- Toma lá, torrãozinho de açúcar! Foi o melhor que encontrei!

No outro dia, quando fui à mercearia, ouvi esta boca da D. Joaninha:
- Então, gostou da sua prendinha? Estava eu nos trezentos, quando o seu querido lá chegou. Vi-o tão atrapalhado que não consegui passar sem saber a razão de tamanha atrapalhação. Contrafeito, lá me contou. Apontei-lhe um coraçãozinho de lata que estava ao pé de um monte de abanos. E, se quer que lhe diga, também fui eu que lhe sugeri o tal embrulhinho. É lindo, não é?

Tive vontade de a esganar ali mesmo. Mas, não! Eu sou uma senhora e não quero mistura com plebeias com a mania que têm opinião. Às tantas, era com ela que tu estavas daquela vez que não me abriste a porta. Ainda não tirei isso a limpo. Mas, garanto-te que tudo se sabe. Tudo se sabe, meu querido! Não adianta a desculpa que inventaste. Não, não foi o barulho do canalizador que te impediu de ouvires a campainha. Era o teu devaneio e a tua mania de macho latino que monta tudo o que é gado! Tudo suportei com bravura e espírito de sacrifício. A ninguém falei desta dor que me fere de morte. Foram muitos os "downloads" que fiz à procura de santos de todas as irmandades para que me pudessem ajudar nesta aflição. Mas, não! Não descobri santo nenhum que pudesse fazer por mim aquilo que só Deus é capaz de fazer com o diabo. Porque tu és o diabo! Mas, deixa lá que eu hei-de saber quem é que estava contigo naquela tarde…
Desceste, algum tempo depois, as escadas, a correr, e nem sequer me abraçaste… Isso nunca te perdoarei!

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